Nelson Menda – Exclusivo – MIAMI - EUA
A QUESTÃO ANUSSIM
Por incrível que possa parecer, depois que me transferi para Miami fui conhecer certos meandros e particularidades de uma questão que envolve a própria história do Brasil e do judaísmo. Refiro-me à Teshuvá, termo hebraico para designar o retorno ao Judaísmo dos Anussim, ou seja, descendentes de judeus espanhóis e portugueses obrigados a se converter ao cristianismo há mais de quinhentos anos. Só na Espanha, de onde minha família paterna é originária, existiam trezentos mil judeus na época da reconquista do último enclave árabe-muçulmano em Granada, em 1492, pelos exércitos de Castela e Aragão e que coincidiu com o Édito de Expulsão dos israelitas. Desses trezentos mil, avalia-se que cem mil conseguiram sair do território espanhol praticamente com a roupa do corpo, dirigindo-se ao vizinho Portugal. Dos duzentos mil restantes, metade conseguiu sair da Península Ibérica, por terra ou mar, refugiando-se, basicamente, na França, Itália, Holanda e também nos territórios do Império Otomano.
Apesar de terem deixado para trás seus bens materiais, esses que partiram da Espanha e Portugal puderam preservar sua identidade judaica, ao contrário de muitos de seus irmãos que não quiseram ou conseguiram sair. Os cem mil que se refugiaram em terras lusas não poderiam prever que, apenas cinco anos depois, em 1497, passariam por uma situação ainda pior do que a vivenciada na Espanha.
BATISMO EM PÉ
D. Manuel, Rei de Portugal, enganou a todos, prometendo transporte marítimo para a Terra Santa, mas preparando, na surdina, uma verdadeira cilada. Convocou um exército de religiosos cristãos, abastecendo-os com uma enorme quantidade de água tido como benta, que foi aspergida sobre as multidões que se espremiam à beira dos cais de Lisboa e do Porto, e que “ficou a ver navios”, pois os barcos que os conduziriam à Israel nunca apareceram. Era o Domingo de Ramos de 1497 e aquela pobre gente, que chegou esperançosa ao cais, retornou para casa com água escorrendo pelos rostos. Já não eram judeus, mas “cristãos” e a água benta se confundia com suas próprias lágrimas. As Sinagogas de Portugal foram lacradas, muitos de seus Rabinos presos e mortos e o judaísmo só pode ser praticado, sob risco e em segredo, no interior dos seus lares.
BRASIL, A ESPERANÇA
Com a descoberta do Brasil, em 1500 e a possibilidade de se transferirem para um território que oferecia, além de imensas perspectivas econômicas, um distanciamento do clima de denuncismo da metrópole, milhares de judeus se dirigiram para nosso país, especialmente para o Nordeste. Teoricamente, depois de 1497, não deveriam mais existir judeus em Portugal e suas colônias, só cristãos, novos ou velhos.
INVASÕES HOLANDESAS
Todavia, em 1624, ou seja, cento e vinte e sete anos após o malfadado “Batismo em Pé” de 1497, os holandeses conquistaram Salvador, Bahia. A permanência holandesa na Bahia, ao contrário do que viria a acontecer em Pernambuco tempos depois, foi curta, tendo durado apenas um ano. Nessa invasão holandesa de Salvador aconteceu um fato surpreendente: nada menos de metade da população da cidade retornou à fé judaica, aproveitando o fato dos holandeses, huguenotes, ao contrário dos portugueses, permitirem liberdade religiosa para fiéis de outras crenças. Essa alegria durou pouco, pois com a retomada da cidade pelos portugueses, no ano seguinte, os judeus foram duramente reprimidos, tendo de fugir para regiões remotas, pois quanto mais distantes da capital, menos inseguras seriam para os praticantes da fé mosaica. Em 1630, quando os holandeses tomaram Recife e Olinda e lá conseguiram permanecer por vinte e quatros anos, ressabiados com o que havia ocorrido na Bahia, apenas 25% dos judeus se assumiram publicamente como tais. Esses números, além de revelar a enorme quantidade de cripto-judeus existentes no Brasil Colônia, atestam o que os historiadores já comprovaram. Que o Brasil é o país com o maior quantitativo de descendentes de Anussim do mundo e que as perseguições a que estiveram sujeitos fez com que essa condição se transformasse em um verdadeiro dogma, segredo que deveria permanecer restrito ao ambiente familiar. Nada melhor para preservá-lo, portanto, do que promover casamentos entre primos, onde seria mais fácil manter hábitos e tradições judaicos sem o risco de denúncias aos esbirros da inquisição.
Pesquisas da Professora Anita Novinsky, da USP, avaliam que um em cada quatro habitantes caucasianos do Brasil tenha sangue judeu correndo em suas veias, ou seja, um número impressionante que oscila entre vinte e vinte e cinco milhões de pessoas. Muitos nem sabem disso, mas um grupo de Anussim mais antenados, analisando certos hábitos familiares, começou a se dar conta de que descenderia de judeus e aí caímos no título desse artigo, ou seja, “A Questão Anussim”.
E AGORA, JOSÉ?
As coletividades judaicas estabelecidas podem adotar uma série de medidas para enfrentar essa situação. Podem, simplesmente, ignorá-la e deixar o barco correr solto. Também podem fechar ou abrir as portas de suas instituições para essa nova leva de judeus, que fazem questão de ser considerados sefaradis e ortodoxos. Agora é que Miami vai entrar na história. Um Anussim brasileiro, de sobrenome Rocha – ou Bentsur – que residiu por alguns anos no sul da Bahia, descobriu, meio que por acaso, a existência de pequenos núcleos cripto-judaicos nas cidades de Ilhéus, Teixeira de Freitas e Eunápolis. Ficou amigo de seus líderes e, ao se transferir para a Flórida, foi se aconselhar sobre o assunto com um Rabino que, além de sefaradi e ortodoxo, já tinha tomado conhecimento dessa questão quando trabalhou na Colômbia, onde o fenômeno Anussim também é intenso. Nos Estados Unidos, ao contrário do Brasil e demais países da América Latina, podem ser realizados tanto Conversões quanto Retornos ortodoxos, plenamente reconhecidos pelo Rabinato de Israel. Augusto Rocha pediu ao Rabino Abraham Abarbanel Deleon Cohen que o acompanhasse até o Brasil e, em agosto de 2009, em um parque florestal de Porto Seguro, foram realizados, pela primeira vez em quinhentos anos, as cerimômias de Retorno de um punhado de Anussim. Serviram como mikvê as águas cristalinas de um rio que serpenteia sob frondosas árvores de uma reserva natural. Hoje, essas três comunidades estão em fase de finalização de suas respectivas sinagogas, seguem os preceitos alimentares da kashrut e muitos de seus jovens almejam fazer Aliá para poder se alistar nas forças armadas de Israel. Confira no clipping do YouTube produzido e postado pela Kehilá de Teixeira de Freitas, Bahia.
ASSISTA AO EMOCIONANTE VÍDEO : http://www.youtube.com/watch?v=YIKMGT40tNA
CONFARAD
O assunto é polêmico e promete muito pano para manga, a ponto de ter sido incluído na pauta do Sétimo Confarad, Congresso Sefaradi, a ser realizado de 30 de outubro a 2 de novembro no Hotel Pestana, Av. Atlântica, 2964, Copacabana, Rio. A mesa sobre a “Questão Anussim”, por mim presidida, vai contar com a presença do Rabino Abarbanel Deleon e da Professora Alícia Salamo, maior autoridade mundial sobre os chuetas de Mayorca. Vai ser às 11,00 h da manhã do dia primeiro de novembro, segunda-feira. A boa notícia é que o ingresso é grátis e além dessa mesa sobre os Anussim o Confarad terá várias outras, com temas interessantíssimos, como a presença judaico-marroquina no Brasil, que está completando 200 anos em 2010, conferências por renomados Rabinos e Professores universitários, como a “Conversão e Suas Controvérsias” e apresentações de palestras e músicas sefaradis em ladino. A sessão de abertura será no sábado, 30/10, às 19.30. O programa completo do Confarad pode ser obtido no site www.velgereventos.com.br e as inscrições, também grátis, podem ser realizadas pelos telefones (21) 2247-0867 begin_of_the_skype_highlighting (21) 2247-0867 end_of_the_skype_highlighting e 2247-0735.
Para quem ainda duvida que o Brasil – e também Nova Iorque – tenham albergado importantes levas de judeus portugueses, vale a pena conferir na excelente reportagem produzida e veiculada pela TV Globo há alguns anos.
ASSISTA AO VÍDEO : http://www.youtube.com/watch?v=Zl7kHGmhmVU
Você vai ficar sabendo, entre outras coisas, que o brasileiríssimo baião, imortalizado pelo sanfoneiro Luiz Gonzaga, é um ritmo com profundas raízes na música judaica.